segunda-feira, 31 de março de 2008

Maria Bethânia - Brasileirinho ao Vivo



Depois do CD Brasileirinho, primeiro projeto de seu selo Quitanda, distribuído pela gravadora Biscoito Fino, Maria Bethânia lança o DVD Brasileirinho, com imagens do espetáculo -- um dos mais aplaudidos do ano - realizado no Canecão, no Rio de Janeiro.

Mais que a transposição do disco de estúdio para os palcos, Brasileirinho é a celebração de um conceito amplo de arte brasileira. Se o selo Quitanda promove uma diversificada feira livre que abrange música, literatura, poesia, artes plásticas e cênicas, Brasileirinho, - gravado pelo canal Multishow no Canecão - integra o Brasil musical, do sertão ao litoral, do interior à megalópole.

Cantos de trabalho e religiosidade perpassam o Brasil interiorano, elemento indivisível do Brasil planetário que se impõe a partir da música de Villa-Lobos e Antonio Carlos Jobim. Como salienta a canção Comida, da banda de rock paulistana Titãs, registrada por Bethânia neste DVD, a gente brasileira quer comida, diversão e arte.

As Bachianas de Villa-Lobos iniciam o espetáculo, pelas mãos do grupo mineiro Uakti. No telão, Ferreira Gullar recita O Descobrimento, de Mario de Andrade, onde o artista identifica-se com o brasileiro indigente que dorme "depois de fazer uma pele com a borracha do dia".

"Eu guardo a luz das estrelas / a alma de cada folha", anuncia Bethânia, expandindo o nordeste além do sertão. À saudação de Salve as Folhas, Yayá Massemba e Capitão do Mato interpõe-se Gente Humilde de Garoto, Vinicius e Chico Buarque. O Rio de Miúcha conduz à Correnteza de Jobim e Luiz Bonfá, mas corre para outras águas. Miúcha e Bethânia terçam vozes no Ponto de Janaína e em Cabocla Jurema, de penacho verde da cor do mar.

Denise Stocklos lê outro trecho de Mario de Andrade, O Poeta Come Amendoim. A revelação de que um país muitas vezes se faz mais pelo "balanço das cantigas, amores e danças" que pela noção de pátria, "acaso de migrações e do pão nosso onde Deus der". Diante do Padroeiro do Brasil, Bethânia recebe o choro pesado dos rapazes do Tira Poeira para saudar Jorge, o santo guerreiro.

E se Deus é brasileirinho, que dirá Jorge, João e Antonio, presentes em canções de Jota Velloso (Santo Antônio), Caetano Veloso e Gilberto Gil (São João, Xangô Menino), Luiz Gonzaga (São João do Carneirinho). Em tempo de baião, Bethânia recria Boiadeiro e Cigarro de Paia, de Armando Cavalcanti e Klecius Caldas, junto aos violões de João Castilho e do maestro Jaime Alem.

Como avisa Guimarães Rosa, pela voz de Bethânia, "Felicidade se acha é em horinhas de descuido". Entretanto, é possível encontrá-la também em momentos de extremo cuidado. Que dizer de Nana Caymmi cantando João Valentão e lendo caprichosamente a letra de Sussuarana, de Heckel Tavares e Luiz Peixoto? Bethânia eleva as mãos para o céu, reverencia e abraça Nana. A maior cantora do Brasil na opinião da maior cantora do Brasil.

Senhor da Floresta mimetiza Oxossi e Sebastião no herói "crivado de flechas atiradas por outro tupi". O samba ecológico Purificar o Subaé antecipa o canto de raiva e de pena dos Titãs (Miséria, Comida), em contraponto a Melodia Sentimental, de Villa-Lobos, e Tarde em Itapoã, de Toquinho e Vinicius. Quando Miúcha e Nana se juntam a Bethânia, para cantar Rio de Janeiro e O que é o que é, não resta dúvida que, por intermédio do samba, a vida devia ser bem melhor -- e será.

A direção é de Bia Lessa, e os cenários de Gringo Cardia. André Horta assina a direção do DVD, que inclui making of, com depoimento de Bethânia e a montagem do show; entrevistas com Ferreira Gullar, Nana Caymmi, Miúcha, Jaime Além, Gringo Cardia, Bia Lessa, Moogie Canazo e Cláudio Olivoto; duas faixas com câmera close (Cigarro de Paia e Motriz); uma versão exclusiva de Trenzinho do Caipira, recriado pelo grupo Tira Poeira. Este é o segundo DVD de Bethânia, que lançou Maricotinha ao Vivo, em 2003, também pela Biscoito Fino.

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