sábado, 23 de junho de 2007

PRA SER SINCERO / Carlinhos Brown e Marisa Monte





Eu era tão feliz
E não sabia, amor
Fiz tudo o que eu quis
Confesso a minha dor
E era tão real
Que eu só fazia fantasia
E não fazia mal
E agora é tanto amor
Me abrace como foi
Te adoro e você vem comigo
Aonde quer que eu voe

E o que passou, calou
E o que virá, dirá
E só ao seu lado, seu telhado
Me faz feliz de novo
O tempo vai passar
E tudo vai entrar no jeito certo de nós dois
As coisas são assim
E se será, será
Pra ser sincero, meu remédio é te amar, te amar
Não pense, por favor
Que eu não sei dizer
Que é amor tudo o que eu sinto longe de você

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Maria Bethânia no show "A Força Que Nunca Seca" 1999

Canto de Nanã - Beira Mar / Roberto Mendes/Capinan



Beira-Mar
Maria Bethânia


Dentro do mar tem rio...
Dentro de mim tem o quê?
Vento, raio, trovão
As águas do meu querer

Dentro do mar tem rio...
Lágrima, chuva, aguaceiro
Dentro do rio tem um terreiro
Dentro do terreiro tem o quê?

Dentro do raio trovão
E o raio logo se vê
Depois da dor se acende
Tua ausência na canção

Deságua em mim a paixão
No coração de um berreiro
Dentro de você o quê?
Chamas de amor em vão

Um mar de sim e de não
Dentro do mar tem rio
É calmaria e trovão
Dentro de mim tem o quê?

Dentro da dor a canção
Dentro do guerreiro flor
Dama de espada na mão
Dentro de mim tem você

Beira-mar
Beira-mar
Ê ê beiramar
Cheguei agora
Ê ê beira-mar
Beira-mar beira de rio
Ê ê beira-mar

Eu Que Não Sei Quase Nada do Mar / Ana Carolina/ Jorge Vercilo



Eu Que Não Sei Quase Nada do Mar
Maria Bethânia


Garimpeira da beleza te achei na beira de você me achar
Me agarra na cintura, me segura e jura que não vai soltar
E vem me bebendo toda, me deixando tonta de tanto prazer
Navegando nos meus seios, mar partindo ao meio, não vou esquecer.

Eu que não sei quase nada do mar descobri que não sei nada de mim

Clara noite rara nos levando além da arrebentação
Já não tenho medo de saber quem somos na escuridão

Clara noite rara nos levando além da arrebentação
Já não tenho medo de saber quem somos na escuridão

Me agarrei em seus cabelos, sua boca quente pra não me afogar
Tua língua correnteza lambe minhas pernas como faz o mar
E vem me bebendo toda me deixando tonta de tanto prazer
Navegando nos meus seios, mar partindo ao meio, não vou esquecer

Eu que não sei quase nada do mar descobri que não sei nada de mim

Clara noite rara nos levando além da arrebentação
Já não tenho medo de saber quem somos na escuridão

Clara noite rara nos levando além da arrebentação
Já não tenho medo de saber quem somos na escuridão

Elis Regina Milton Nascimento e Fernado Brant

ATÁS DA PORTA / Chico Buarque- Francis Hime



Quando olhastes bem nos olhos meus
E teu olhar era de adeus, juro que não acreditei
Eu te estranhei, me debrucei Sobre o teu corpo e duvidei
E me arrastei, e te arranhei
E me agarrei nos teus cabelos
No teu peito, teu pijama
Nos teus pés, ao pé da cama Sem carinho, sem coberta
No tapete atrás da porta Reclamei baixinho
Dei prá maldizer o nosso lar
Pra sujar teu nome, te humilhar
E me vingar a qualquer preço Te adorando pelo avesso
Prá te mostrar que ainda sou tua
Até provar que ainda sou tua.

Romaria / Renato Teixeira




É de sonho e de pó
O destino de um só
Feito eu perdido em pensamento
Sobre meu cavalo
É de laço e de nó
De jibeira ou jiló
Dessa vida
Cumprida à sol
Sou caipira pirapora nossa
Senhora de aparecida
Ilumina a mina escura e funda
O trem da minha vida
O meu pai foi peão
Minha mãe solidão
Meus irmãos perderam-se na vida
À custa de aventuras
Descasei, e joguei
Investi, desisti
Se há sorte, eu não sei, nunca vi

Sou caipira Pirapora nossa
Senhora de aparecida
Ilumina a mina escura e funda
O trem da minha vida
Me disseram porém
Que eu vivesse aqui
Pra pedir em
Romaria e prece
Paz nos desaventos
Como eu não sei rezar
Só queria mostrar
Meu olhar, meu olhar, meu olhar
Sou caipira Pirapora nossa
Senhora de aparecida
Ilumina a mina escura e funda
O trem da minha vida

COMO NOSSO PAIS

A FORÇA QUE NUNCA SECA / Chico César/Vanessa da Matta







Já se pode ver ao longe
A senhora com a lata na cabeça
Equilibrando a lata vesga
Mais do que o corpo dita
Que faz o equilíbrio cego
A lata não mostra
O corpo que entorta
Pra lata ficar reta
Pra cada braço uma força
De força não geme uma nota
A lata só cerca, não leva
A água na estrada morta
E a força que nunca seca
Pra água que é tão pouca

O Quereres / Caetano Veloso Sou Eu - Álvaro de Campos



Sou Eu
Sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo,
Espécie de acessório ou sobressalente próprio,
Arredores irregulares da minha emoção sincera,
Sou eu aqui em mim, sou eu.

Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou.
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.

E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco inconseqüente,
Como de um sonho formado sobre realidades mistas,
De me ter deixado, a mim, num banco de carro elétrico,
Para ser encontrado pelo acaso de quem se lhe ir sentar em cima.

E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco longínqua,
Como de um sonho que se quer lembrar na penumbra a que se acorda,
De haver melhor em mim do que eu.

Sim, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco dolorosa,
Como de um acordar sem sonhos para um dia de muitos credores,
De haver falhado tudo como tropeçar no capacho,
De haver embrulhado tudo como a mala sem as escovas,
De haver substituído qualquer coisa a mim algures na vida.

Baste! É a impressão um tanto ou quanto metafísica,
Como o sol pela última vez sobre a janela da casa a abandonar,
De que mais vale ser criança que querer compreender o mundo —
A impressão de pão com manteiga e brinquedos
De um grande sossego sem Jardins de Prosérpina,
De uma boa-vontade para com a vida encostada de testa à janela,
Num ver chover com som lá fora
E não as lágrimas mortas de custar a engolir.

Baste, sim baste! Sou eu mesmo, o trocado,
O emissário sem carta nem credenciais,
O palhaço sem riso, o bobo com o grande fato de outro,
A quem tinem as campainhas da cabeça
Como chocalhos pequenos de uma servidão em cima.

Sou eu mesmo, a charada sincopada
Que ninguém da roda decifra nos serões de província.

Sou eu mesmo, que remédio! ...




Onde queres revólver sou coqueiro, onde queres dinheiro sou paixão
Onde queres descanso sou desejo, e onde sou só desejo queres não
E onde não queres nada, nada falta, e onde voas bem alta eu sou o chão
E onde pisas no chão minha alma salta, e ganha liberdade na amplidão

Onde queres família sou maluco, e onde queres romântico,burguês
Onde queres Leblon sou Pernambuco, e onde queres eunuco,garanhão
E onde queres o sim e o não, talvez, onde vês eu não vislumbro razão
Onde queres o lobo eu sou o irmão, e onde queres cowboy eu sou chinês

Ah, bruta flor do querer, ah, bruta flor, bruta flor
Onde queres o ato eu sou o espírito
e onde queres ternura eu sou tesão
Onde queres o livre decassílabo
e onde buscas o anjo eu sou mulher
Onde queres prazer sou o que dói
e onde queres tortura,mansidão
Onde queres o lar, revolução
e onde queres bandido eu sou o herói

Eu queria querer-te e amar o amor
construírmos dulcíssima prisão
E encontrar a mais justa adequação
tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e de viés
e vê só que cilada o amor me armou

E te quero e não queres como sou
não te quero e não queres como és

Onde queres comício, flipper vídeo
e onde queres romance, rock'nroll
Onde queres a lua eu sou o sol
onde a pura natura, o inceticídeo
E onde queres mistério eu sou a luz

Onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro
e onde queres coqueiro eu sou obus
O quereres e o estares sempre a fim
do que em mim é de mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente pessoal
e eu querendo querer-te sem ter fim
E querendo te aprender o total do querer
que há e do que não há em mim

ASA BRANCA / Luiz Gonzaga / Humberto Teixeira



Asa Branca

Quando olhei a terra ardendo
Qua fogueira de São João
Eu preguntei a Deus do céu, uai
Por que tamanha judiação

Que braseiro, que fornaia
Nem um pé de prantação
Por farta d'água perdi meu gado
Moreu de sede meu alazão

Inté mesmo a asa branca
Bateu asas do sertão
"Intonce" eu disse a deus Rosinha
Guarda contigo meu coração

Hoje longe muitas léguas
Numa triste solidão
Espero a chuva cair de novo
Para eu voltar pro meu sertão

Quando o verde dos teus oio
Se espalhar na prantação
Eu te asseguro não chore não, viu
Que eu voltarei, viu
Meu coração

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Velho Livro / Antonio Miranda Fernandes

Velho Livro

Ao ver-te ai tão isolado velho mestre puído
Desmaiado, amarelento, só e desgastado!...
Pelo caminhar dos anos e, agora esquecido,
Jazes na campesina e rústica mesa, abandonado...

É também velho, o tosco móvel, marcado,
Tal qual antigos ferimentos cicatrizados!...
E ao fechar os olhos o passado se repete...
Nas bordas estão as rugas feitas a canivete!
E ainda por cigarros ou tocos de velas gastas
Mostra no tampo nódoas negras queimadas
E de jarras e copos de vinho as impressões...
Saraus na antiga taberna de boêmias canções!

E agora, urbano antiquário a expõe e abriga;
Como peça antiga de autêntica e rara beleza!
Quantas falsas juras de amor, trapaças e intrigas
Foram proferidas sobre a muda e surda mesa?

Sobre ela estás velho livro e junto o passado,
Com o inseparável e fiel par de óculos ao lado,
Tendo as suas lentes riscadas e embaciadas
Por infindáveis leituras das doutrinas ensinadas.

Infiltra-se o sol quente em raios prazenteiros
Por arestas do velho portal colonial brasileiro
Iluminando respeitoso em fachos de luz doirada,
Na penumbra, a tua capa grossa e desbotada;
Encadernada e que foi cor encarnada um dia,
E que ainda guarda beleza e nobre galhardia.

Velho carrilhão em guarda de olho arregalado!
É de tempos remotos, mas ora no tempo parado!
Está exausto de cadenciar os passos das horas,
E empresto-lhe o pulsar do meu peito agora.

E ante majestosas maravilhas e coincidências,
Pergunto quais as doutrinas ou confidências,
Estarão latentes pelas rotas capas protegidas?
Qual a voz das letras nas folhas amarelecidas?

Conterão meigas histórias infantis ou fábulas;
Povoadas de príncipes encantados e fadas?
Talvez apaixonadas cartas de amor encerram?
Ou épicas narrativas de batalhas e guerras?
Ou façanhas de temíveis piratas saqueadores,
Nas caravelas em busca de tesouros e amores?

Quem sabe sentenças de bruxas à fogueira?
Algum romance antigo, talvez, de cabeceira?
Ou ainda registros de canonização de santos?
Ou folhas manchadas por gotas de prantos?
Compêndio de orações contra maus-olhados,
De um satanás também decrépito e arqueado?

Um raro tomo de tratados de antiga medicina?
Ou será um diário encantado de moça-menina?
Os Assentamentos de noivados e casamentos,
Nascimentos, batizados e os sepultamentos?
Ou conterão rituais de magia? E os ensinando?
Ou de alquimia, o ferro em ouro transmudando?

Ou partituras de algum concerto, manuscritas?
Ou xilogravuras e desenhos originais de artista?
Quem sabe a sapiência do velho testamento?...
Os registros de ingresso em algum convento?
Podes conter, velho livro, a história do mundo:
Romances passionais ou segredos profundos...

Estás, na tua sapiência, tão nobre e suntuoso;
Eu sentia estar vivendo momento majestoso
Resisti ao impulso de macular-te com os dedos
Diante de tanta beleza respeitei teus segredos,
E permaneci ali, como o velho relógio, parado...
Saboreava êxtase profundo como hipnotizado.

Então percebi que eu não estava mais sozinho
Sábia a vida me fez andar e cruzar teu caminho
Tendo a companhia de tuas letras por momentos
E ali, mesmo fechado transmitias ensinamentos;
E comunguei tuas letras, frases, o começo e fim...
No silêncio tive o amigo e mestre diante de mim.

Mesmo de capas cerradas ensinou-me o que digo
Pois quem tem livro não está sozinho! Tem amigo!
E quando o abre na verdade encontra aconchego.
Vão-se as ignorâncias, as inseguranças e medos!
E aberto estarão abertos, do mundo, os caminhos:
Que terão menos dissabores, pedras e espinhos!

Descanse velho mestre, mas sê atento nesse altar...
Porque quando dúvidas brotarem da vida moderna
Virão, como filhos germinados que são, te consultar!
Ai estarás...sempre sábio...sobre a mesa de taberna!
Emocionado!... Ao respeito devido...Não me privo...
Retiro-me sem dar as costas ao solene e velho livro!

CONFLITO URBANO / ANTONIO MIRANDA FERNANDES


Conflito urbano


O céu esvaecido em garoa fina
Corpo curvado ao frio caminha
Embaçando a verdade no olhar
Da face triste andeja por andar
O vento que fustiga rosto triste
Maltratando, no castigo insiste,
Uivando entre prédios gelados
Algoz feroz de açoites soprados

Misturado ao mundo caminha
No novelo da moira como sina
Andar trôpego pelo abandono
Se... desperto, parece ter sono
E soma-se a casacos, sapatos,
Faróis de automóveis ingratos,
Guarda-chuvas, tosses, passos
Inseguros vão, descompassos

Outros passam rápidos, a esmo
Seguem fugindo de si mesmos
Necessidade de debandar sempre
A lugar algum; fuga permanente...
Gente que se esbarra, apinhada,
Teimosa caminhada para o nada
Em prognóstico de mau agouro,
Rebanho tangido ao matadouro.

Tantas cabeças, pernas e braços
Onde poderia deitar seu cansaço?
Na multidão não vê ombro amigo
Peito quente que fosse um abrigo
Mão que no seu braço pousasse
Como bússola o norte apontasse
Entregar-se-ia em suspiro profundo
Com forças para vencer o mundo.

As luzes de néon multicoloridas...
Raios de mil cores tremeluzidas...
Asfalto molhado reflete lucilando
Espelhando o mundo vai brotando,
De cabeça para baixo, mais gente...
Mais urbanos zumbis indiferentes
E não vê ombro amigo ou abraço
Onde pudesse deitar seu cansaço

Olhares nos olhares sem desvios
Olhando nos olhos sem desafios...
Passos fossem os mesmos passos
Sem oco, sem eco, aí seriam laços
Para seguirem juntos aonde fosse
Ó buscado par de entrega e posse...
Mas urdidor desfeito na multidão,
Vai-se agregado à mesma solidão.

Gente, vozes, alaridos e clamores
As ladainhas da massa de odores,
Ironia da vida em sociedade urbana
Igrejas, buzinas, crenças profanas
Onde sobejam companhias alugadas
Para trocas de conversas amargas
E da feiúra de fato por falsa beleza
Pernas roçadas por baixo das mesas

Taças embaçadas de dores igualadas
Na fuga da bebida tomada às goladas
Ao som de música viciada e asfixiada
Pela amarelenta fumaça assoprada...
Engolida, sussurrada e também cuspida
Dos cigarros que levam nacos de vida
Trocados por fatias breves de atenção
O que importa? Mesmo sendo ilusão?

Nascido humano. Vivente desumano
Tal como teatro, quando desce o pano
Cada qual com sua verdade ou mentira,
Tanto faz, o que importa é cingir a lira.
Solidão implacável o corpo frangalha
Andou pela vida buscando a migalha
Que sentisse: o abandono, frio e fome...
Um ser querido e soubesse seu nome...

Como é bom... / Antonio Miranda Fernandes

Como é bom...
Antonio Miranda Fernandes


Como é bom...
Voltar para casa, abrir o portão
Tirar os sapatos e pisar o chão

Como é bom...
Descobrir nova rosa no jardim
Atrai-la como a cabeça amante
Ousada volúpia de enamorado
Aspirar-lhe aroma virgem enfim
Seduzido ao deleitoso instante
Extasiado com olhos fechados

Como é bom...
O gargalhar à-toa como criança
E o saltitar declamando versos
O bulício dos pequenos colibris
O balançar na rede da varanda
Assoviando solfejos dispersos
O cantar da sentinela bem-te-vi

Como é bom...
Descerrar ao mundo as janelas
Folhas andejando pela calçada
O farfalhar de cortinas amarelas
Pelo querer da aragem soprada

Como é bom...
Da nuvem passageira o dourado
Do entardecer, no peito, a brisa
O aroma da tarde pelo gramado
E o vento esvoaçando a camisa

Como é bom...
Chuveiro morno bem demorado
Bronze busto de mulher-menina
Escancarado livro sobre a mesa
O passear das mãos pelo teclado
Do langoroso piano em surdina
E dueto crepitar da lareira acesa

Como é bom...
Tremeluzir de estrelas na vidraça
Tigela de sopa na fria madrugada
A garrafa deitada, vazia de vinho
Corpo, buquê, aroma degustados
Cor carmim nos lapidados da taça
Colchonete no chão e almofadas
O sono que vem vindo mansinho
E o sonhar sonhos abandonados
Como é bom...


O RIO / Antônio Miranda Fernandes


O RIO
Singelo e humilde fiozinho ao nascer... É nas cabeceiras, pequeno olho d'água; E depois um lacrimal. Quase nem se vê... Como gotas brotadas de pouca mágoa. Apenas daqui, daí e acolá...borbotando... É criança, medroso e trêmulo chorando! Segue e fresta, entre duras pedras, pede... Esgueira-se e o seu caminhar prossegue. Arrasta-se e insiste na marcha para a luz, Murmura e ao poeta de água doce seduz!... Pois ele já engatinha e faz suas manhas, Mama! Bebe do seio nutriz da montanha, Na passagem aonde vai criando seu leito!... Cada vez mais gulosamente, tal no peito, Do colo de mãe atenta à cria, em guarida: Tão preciosas golfadas líquidas de vida. Como, dos seres animados, ele deve ter: Sombra, paz e mistério para seu nascer! Agora uns passos mal seguros aventura, Mas o amparo das grutas ainda perdura! Para o caminhar não vir a sofrer deslizes Busca a proteção das margens de raízes Pespontadas, que ele afaga no roçado... Refresca e alenta, em troca do cuidado! Riacho, já balbucia e corre agarrando-se Às pernas do arvoredo, vai jogando-se!... Ainda fortes ramagens sobre o seu veio, Cruzam-se protetoras tal como em esteio! E vai e vai, e... vão-lhe abrindo margens; Corre veloz e rola seixos, sem paragens! E segue até que nenhum galho gigante, De figueira possa, como um braço grande, O galho estendido do outro lado atritar. Pois às veredas estreitas é fatal alargar! Então orgulhoso e forte, porque venceu, Já não pede mais caminho - abre o seu! Se surge, porém, um obstáculo, evita-o! Reprime-se em remansos e... analisa-o! Evita o confronto se ele não for forçoso... Assim como o selvagem, ama o repouso; Torce-se e não gasta forças inutilmente, Reserva suas forças para mais à frente! Vai coleando e seguindo seu rumo afora Nada lhe antepõe! A rota é segura agora. Mas, às vezes... estende-lhe, a montanha, No curso, uma barreira de pedra tamanha; Então ele pára, a fim de medir o adverso. Põe-se remoinhoso em vaguear disperso. E negligentemente, encrespa em arrepios! Tanto maior... Quanto maior for o desafio Cresce, arremete e se precipita com fragor: Estoura na catadupa, soberbo e triunfador. Não se contenta em marchar sobre penedos, Adversários abatidos a seus pés por medos, Cria asas e alando-se vai os ares espadanar, E como cordão umbilical ao seu berço voltar Dilui-se em neblina e, sobe! Gotas de luzires, Soltas...Transforma-se em luz, e é o arco-íris.

Estouro da boiada / Antônio Miranda Fernandes


Foi numa tarde junina de sol suado!
Vinha emergindo a boiada profusa...
Surgindo sobre passos arrastados,
Despontando da poeira ocre difusa.

Saía a boiama confusa e cadenciada
Ruminando e olhando para o chão...
E de sinos dispersos, as badaladas,
Iam tocando a massa em procissão.

Em balada profética de triste agouro...
Com pegadas de sofrimento no sertão,
Caminhando resignada ao matadouro
Mugindo! Entoando, estranha oração.

Por vezes...Uma rês, cheirava o vento
Com olhar incendiado de condenado,
Bramia profundo e mórbido lamento
Mas ía, indiferente ao destino traçado...

Volvia à marcha da sorte derradeira...
Entrecortando a lamentação chorada
Tangida pelo “tocador” da bandeira;
Vermelha...Manchada e esfarrapada!

E os chocalhos na poeira dispersos...
Entoavam canto lúgubre e intrigante!
Desalentos, de uma nota só, em verso,
Mais tristes com o tanger do berrante.

Do peão que com esporas prateadas,
Montava cavalo de suor e salgado olhar
Que escorria pó pelas ventas molhadas
E ferraduras faiscando fagulhas no ar...

Quando quebrou em instante preciso
O galho de árvore que cai estalando...
Em cima de uma rês que...sem aviso,
É assustada e escoiceia disparando...

Outras que mugem, tropeçam e rolam;
Alando chispas braseiras num clarão!
Cabeças e chifres confusos se tocam...
O sangue jorra vermelho para o chão!

Chifram entranhas e solo encarnado,
Quente. Portas do inferno apartando...
Cavalos e bois de olhos arregalados
Que se chocam e os ossos estalando.

Cheiro de sangue, excremento e suor;
Corpos jogados no ar se contorcem!...
Bulício de cães feridos ganindo de dor
E, de mugidos ruminantes que morrem.

Homens que deixam viúvas distantes;
Fica frágil o valente, entregue à sorte...
O destino silencia mais um berrante!...
O forte sabe quando é hora da morte.

Filhos que vão crescer órfãos de pai...
Da desgraça farão história de valentia!
O mundo gira... Sob patas... E não cai
Com certeza, serão boiadeiros um dia!

Sons do pensamento / Antonio Miranda Fernandes




















se a vida se fizer turbulenta
serão minhas as dores nela
não há calmaria sem procela
nem sofrer sem ensinamento

...tão maior o mar, maior a pena...

dor de passagem na aragem
terei o descanso da bonança
no adormecer como criança
ouvirei sons do pensamento

...vitória e vida menos pequenas...

último alinhavar / Antonio Miranda Fernandes





a poesia é o último alinhavar
que nos une aos sonhos de amor;
embora o coração sofra dilema

saio com cesto colhendo letras
que acho nos espinhos e pedras;
não quero terminar este poema.

Sangue português / Antonio Miranda Fernandes


Ah mar...
talvez minhas rugas saibam
o quanto meu corpo açoitaste
e das dores em tuas águas
na feiúra que me mostraste

talvez meus cabelos saibam
medos que em procelas senti
quantos dias se fizeram noite
e quantas fiquei sem dormir

gosto de ti e nem sei porquê
talvez seja um amor nascido
antes do meu dia de nascer
devo carregar do teu salgado
no meu sangue português
e se menos idade eu tivesse
passaria por tudo outra vez

Hilda Hilst biografia

Hilda Hilst nasceu na cidade de Jaú, interior do Estado de São Paulo, no dia 21 de abril de 1930, filha única do fazendeiro, jornalista, poeta e ensaísta Apolônio de Almeida Prado Hilst e de Bedecilda Vaz Cardoso. Com pouco tempo de vida, seus pais se separaram, o que motivou sua mudança, com a mãe, para a cidade de Santos (SP). Seu pai, que sofria de esquizofrenia, foi internado num sanatório em Campinas (SP), tendo nessa época 35 anos de idade. Até sua morte passou longos períodos em sanatórios para doentes mentais.

Foi para o colégio interno, Santa Marcelina, na cidade de São Paulo, em 1937, onde estudou por oito anos. No ano de 1945 matricula-se no curso clássico da Escola Mackenzie, também naquela cidade. Morava, nessa época, num apartamento na Alameda Santos, com uma governanta de nome Marta.

Em 1946, pela primeira vez, visitou o pai em sua fazenda em sua cidade natal, Jaú. Em apenas três dias, no pouco tempo que passou com ele, perturbou-se com sua loucura. Em "Carta ao Pai" diz a biografada:

"Só três noites de amor, só três noites de amor", implorava o pai, sim, o pai, ele nunca fizera uma coisa como essa, sim, era Jaú, interior de São Paulo, um dia qualquer de 1946, sim, a filha deslumbrante, tremendo em seus 16 anos, sim, o pai a confundia com a mãe, a mão dele fechada sobre a dela, sim, o pai a confundia com a mãe, a confundia, sim?..."

Aconselhada pela mãe, em 1948 inicia seus estudos de Direito na Faculdade do Largo do São Francisco. A partir de então levaria uma vida boêmia que se prolongou até 1963. Moça de rara beleza, Hilda comportava-se de maneira muito avançada, escandalizando a alta sociedade paulista. Despertou paixões em empresários, poetas (inclusive Vinicius de Moraes) e artistas em geral.

Em 1949 é escolhida para saudar, entre os alunos de Direito, a escritora Lygia Fagundes Telles, por ocasião do lançamento de seu livro de contos "O Cacto Vermelho".

Hilda lança, nos dois anos seguintes, seus primeiros livros: "Presságio" (1950), e "Balada de Alzira" (1951).

Conclui o curso de Direito em 1952. Três anos depois publica "Balada do Festival".

No ano de 1957 viaja pela Europa por sete meses (junho a dezembro). Namora com o ator americano Dean Martin e, fazendo-se passar por jornalista, assedia, sem sucesso, Marlon Brando, outro galã de Hollywood.

Em 1959 publica o livro de poesia "Roteiro do silêncio" e "Trovas de muito amor para um amado senhor". José Antônio de Almeida Prado, primo da escritora, inspira-se em poemas desse último livro e compõe a "Canção para soprano e piano". Em outras oportunidades voltou a basear-se em textos de Hilda para compor alguns de seus trabalhos mais significativos. Os compositores Adoniran Barbosa ("Quando te achei") e Gilberto Mendes ("Trovas"), entre outros, também se inspiraram em textos da autora.

"Ode fragmentária" é lançado em 1961. Seu livro "Trovas de muito amor para um amado senhor" é reeditado por Massao Ohno.

É agraciada com o Prêmio Pen Club de São Paulo pelo livro "Sete cantos do poeta para o anjo", em 1962. Passa a morar na Fazenda São José, a 11 quilômetros de Campinas (SP), de propriedade de sua mãe. Abre mão da intensa vida de convívio social para se dedicar exclusivamente à literatura. Tal mudança foi influenciada pela leitura de "Carta a El Greco", do escritor grego Nikos Kazantzakis. Entre outras teses, defende o escritor a necessidade do isolamento do mundo para tornar possível o conhecimento do ser humano.

Muda-se para a Casa do Sol, construída na fazenda, onde passa a viver com o escultor Dante Casarini, em 1966. Morre seu pai.

Em 1967 redige "A possessa" e "O rato no muro", iniciando uma série de oito peças teatrais que escreveria até 1969. Lança "Poesia (1959 / 1967)".

Por imposição da mãe, internada no mesmo sanatório em Campinas onde estivera seu pai, casa-se com Dante Casarini, em 1968. Escreve as peças "O visitante", "Auto da barca de Camiri", "O novo sistema" e "As aves da noite". "O visitante" e "O rato no muro" são encenadas no Teatro Anchieta, em São Paulo, para exame dos alunos da Escola de Arte Dramática, sob direção de Terezinha Aguiar.

Em 1969 escreve "O verdugo" e "A morte do patriarca". A primeira recebe o Prêmio Anchieta. A montagem de "O rato no muro", sob a direção de Terezinha Aguiar, é apresentada no Festival de Teatro de Manizales, na Colômbia.

"Fluxo-Floema", sua primeira obra em prosa, é lançada em 1970. A peça "O novo sistema" é encenada em São Paulo, no Teatro Veredas, pelos Grupo Experimental Mauá (Gema), sob a direção de Terezinha Aguiar. Baseando-se nos experimentos do pesquisador sueco Friedrich Juergenson relatados no livro "Telefone para o além", Hilda Hilst iria se dedicar, ao longo desta década que se iniciava, à gravação, através de ondas radiofônicas, de vozes que, assegurava, seriam de pessoas mortas. No mesmo período anunciou a visita de discos voadores à sua fazenda. "O verdugo" é editado em livro, e é, até hoje, a única que não é inédita. Morre sua mãe, Bedecilda.

Em 1972 o Grupo de Teatro Núcleo, da Universidade Estadual de Londrina, sobre a direção de Nitis Jacon A. Moreira, encena a peça "O verdugo". Essa mesma peça é encenada no Teatro Oficina, em São Paulo, sob a direção de Rofran Fernandes, no ano seguinte, época em que foi lançado seu novo livro "Qadós".

"Júbilo, memória, noviciado da paixão" é lançado em 1974.

No ano de 1977 é publicado o livro "Ficções", que recebe o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), como "Melhor Livro do Ano".

Três anos depois, 1980, saem os livros "Poesia (1959/1979)", "Da morte. Odes mínimas", e "Tu não te moves de ti". Recebe da APCA o prêmio pelo conjunto da obra. Estréia a montagem de "As aves da noite" no Teatro Ruth Escobar, com direção de Antônio do Valle. Divorcia-se de Dante Casarini, mas o ex-marido continua morando na Casa do Sol.

Passa a fazer parte do Programa do Artista Residente da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), em 1982. Lança "A obscena senhora D". No ano seguinte publica "Cantares de perda e predileção", que recebe os prêmios Jabuti (da Câmara Brasileira do Livro) e Cassiano Ricardo (do Clube de Poesia de São Paulo).

Em 1984 saem os "Poemas malditos, gozosos e devotos". Dois anos depois, em 1986, publica os livros "Sobre a tua grande face" e "Com meus olhos de cão e outras novelas". 1989 marca o lançamento de "Amavisse".

Com "O caderno rosa de Lori Lamby", livro que consagra a nova fase iniciada em "A obscena senhora D", a escritora anuncia o "adeus à literatura séria" (1990). Justifica essa medida radical como uma tentativa de vender mais e assim conquistar o reconhecimento do público. A obra provoca "espanto e indignação" em seus amigos e na crítica. O editor Caio Graco Prado se recusa a publicá-la e o artista plástico Wesley Duke Lee a considera "um lixo". Lança "Contos d'escárnio/Textos grotescos e Alcoólicos".

O quarto livro dessa fase que, para muito, como dissemos, causou "espanto e indignação", "Cartas de um sedutor" é lançado em 1991. O livro "O caderno rosa de Lori Lamby" é traduzido para o italiano. Estréia, em São Paulo, a peça "Maria matamoros", adaptação do texto "Matamoros" que se encontra no livro "Tu não te moves de ti".

Em 1992 lança a antologia poética "Do desejo" e "Bufólicas", na verdade uma brincadeira quase infantil da autora, por muitos visto como uma paródia. Passa a colaborar com o Correio Popular, jornal diário de Campinas (SP), escrevendo crônicas semanais; o trabalho se estenderia até 1995.

No ano seguinte publica "Rútilo nada", num livro que também continha "A obscena senhora D" e "Qadós". "Rútilo nada" recebe o Prêmio Jabuti na categoria "Contos".

Em 1994, "Contos d'escárnio & Textos Grotescos" é traduzido para o francês.

No ano seguinte sai o volume "Cantares do sem nome e de partidas". O Centro de Documentação Alexandre Eulálio, da UNICAMP, adquire seu arquivo pessoal. A escritora sofre isquemia cerebral.

Em 1997, lança "Estar sendo. Ter sido". Seus poemas são lidos em Quebec, Canadá, juntamente com textos de Safo, Gabriela Mistral e Marguerite Yourcenar, entre outras autoras, no recital Le féminin du feu, durante as comemorações do Dia Internacional da Mulher.

A edição bilíngüe (português-francês) do livro "Da morte. Odes mínimas" é publicada em 1998. Publica também "Cascos & Carícias: crônicas reunidas (1992-1995)", volume de textos que saíram no jornal "Correio Popular". Volta a se dedicar a questões sobrenaturais: afirma acreditar no contato dos mortos com a Terra através de mensagens enviadas via fax. Reafirma o desejo de construir em suas terras um centro de estudos da imortalidade.

Em 1999, lança a antologia poética "Do amor". Sob a coordenação do escritor Yuri V. Santos entra no ar seu site oficial:

http://www.angelfire.com/ri/casadosol/hhilst.html.

"O caderno rosa de Lori Lamby" é levado ao palco sob direção de Bete Coelho e tendo no papel principal a atriz Iara Jamra.

Em 2000, lança "Teatro reunido" (volume 1)". Estréia, em Brasília, a adaptação teatral de "Cartas de um sedutor". Estréia, na Casa de Cultura Laura Alvin, no Rio de Janeiro, o espetáculo "HH informe-se", reunião e adaptação teatral de textos da autora. Inauguração, em dezembro, da "Exposição Hilda Hilst - 70 anos", evento criado pela arquiteta Gisela Magalhães no SESC Pompéia, em São Paulo.

Em 2001, estréia, no Rio de Janeiro, a adaptação teatral de "Cartas de um sedutor". A Editora Globo passa a ser responsável por toda sua obra publicada.

Agraciada, em 2002, com o Prêmio Moinho Santista - 47ª edição, categoria poesia.

Agraciada, em 2003, pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), na área de literatura, com o Grande Prêmio da Crítica pela reedição de suas "Obras completas".

Hilda Hilst faleceu no dia 04 de fevereiro de 2004, na cidade de Campinas (SP).


Canteiros / Fagner / sobre poema de Cecília Meireles






Canteiros

Quando penso em você fecho os olhos de saudade

Tenho tido muita coisa, menos a felicidade

Correm os meus dedos longos em versos tristes que invento

Nem aquilo a que me entrego já me traz contentamento

Pode ser até manhã, cedo claro feito dia

Mas nada do que me dizem me faz sentir alegria

Eu só queria ter no mato um gosto de framboesa

Prá correr entre os canteiros e esconder minha tristeza

Que eu ainda sou bem moço prá tanta tristeza

E deixemos de coisa, cuidemos da vida,

Pois se não chega a morte ou coisa parecida

E nos arrasta moço sem ter visto a vida.

FLOR DA PELE / ZACA BALEIRO Revelação / Clodô e Clésio




Flor da Pele

Ando tão à flor da pele,
Qualquer beijo de novela me faz chorar
Ando tão à flor da pele,
Que teu olhar "flor na janela" me faz morrer
Ando tão à flor da pele,
Que meu desejo se confunde com a vontade de não ser
Ando tão à flor da pele,
Que a minha pele tem o fogo do juízo final

Um barco sem porto
Sem rumo, sem vela
Cavalo sem sela
Um bicho solto
Um cão sem dono
Um menino, um bandido
Às vezes me preservo
Noutras suicido

Oh, sim, eu estou tão cansado
Mas não pra dizer
Que não acredito mais em você
Eu não preciso de muito dinheiro
Graças a Deus
Mas vou tomar aquele velho navio
Aquele velho navio




Revelação


Um dia vestido
De saudade viva
Faz ressuscitar
Casas mal vividas
Camas repartidas
Faz se revelar

Quando a gente tenta
De toda maneira
Dele se guardar
Sentimento ilhado
Morto, amordaçado
Volta a incomodar

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Ponto de Interrogação / Gonzaguinha




Por acaso algum dia você se importou
Em saber se ela tinha vontade ou não
E se tinha e transou,você tem a certeza
De que foi uma coisa maior para dois
Você leu em seu rosto o gosto,o fogo,o gozo da festa
E deixou que ela visse em você
Toda a dor do infinito prazer
E se ela deseja e você não deseja
Você nega,alega cansaço ou vira de lado
Ou se deixa levar na rotina
Tal qual um menino tão só no antigo banheiro
Folheando as revistas,comendo a s figuras
As cores das fotos te dando a completa emoção
São pe rguntas tão tolas de uma pessoa
Não ligue,não ouça são pontos de interrogação
E depois desses anos no escuro do quarto
Quem te diz que não é só o vicio da obrigação
Pois com a outra você faz de tudo
Lembrando daquela tão santa
Que é dona do teu coração
Eu preciso é ter consciência
Do que eu represento nesse exato momento
No exato instante na cama,na lama,na grama
Em que eu tenho uma vida inteira nas mãos..

DISRITMIA

Pantanal de Mato Grosso (BRASIL) e sua exuberante natureza

NOSSA AMAZÔNIA

Margô Antunes é pseudônimo de Marcelo de Andrade

No teu silêncio me ouço
Nas tuas sombras me ilumino
No teu olhar, meu calabouço
No teu pulsar me angustio

Tua voz me cala o soneto
Tua brisa expõe-me a ferida
Tua luz, abismo perfeito
Teu riso, escárnio da vida

Impossível de ti não ter
Do teu cálice não beber
Meu vício, dor, meu açoite

De mim tire o que preciso
Em tua loucura, meu siso
Meu dia és tu, bela noite.

terça-feira, 19 de junho de 2007

POUSANDO EM VÁRIOS GALHOS / PÁSSARO DISTANTE




Autor: Pássaro Distante



Navega nesta água que transborda
Do lago do meu peito fundo e preso
De sonhos que precisam duma borda
Que ampare quem não quer ficar ileso.

Viaja junto à estrada que me nega
O ponto de partida obrigatório
Girando pela faixa que sossega
Apenas com um som inquisitório.

Abraça a ponte que te viu partir
Eivada dumas nuvens sem tempero,
Aquelas que, fazendo-te sorrir,
Mostraram como é belo o desespero.

Afaga a fome nesse hotel sombrio
Que despe a tua máscara ingrata
Que ao espelho vê a luz do arrepio:
Cinzenta como a vida que te enfarta.

Aquece o lume da indignação,
Aceso pelas brasas do destino
Que queimam a mais bela oração
Imposta desde um berço de menino.

Habita a maresia que te salga
Com gotas de oceano sorridente
Que, brando, nem sequer fere, ou galga,
Um porto ou cais amigo e confidente.

Onera esse teu corpo encardido
De cheiros de animais de outras bandas,
Aqueles que sussurram ao ouvido:
Prometem ilusões, ou seja, tangas!

Não esqueças de piscar o olho à lua
Que encobre o gosto pelo descaminho
E mostra o rosto que no mar flutua
À espera de um dia ficar sozinho.

Ampara a queda de uma estrela rara
Que veio ao teu caminho, sem juízo
E fez a tua vida negra e cara
Cegando no que mais era preciso.

Vislumbra no meu ser funesta caixa
De sonho ou projecto mal montado
Visível nas horas de maré baixa
Mas sempre, ou quase sempre, afogado.

Irrita aquele que te quer amar
E põe à prova o seu sentimento
Sabes, então, que não vai fraquejar
Quando a tormenta seja algum tormento.

Atura-me esse homem embrutecido
Que arrota dinheiro pelas entranhas.
É o preço de apenas teres querido
Dizer lamúrias ou viver em manhas.

Isola essa mulher autoritária
Querendo prender tudo à sua volta:
Acabou numa casa mortuária
De onde recebeu divina escolta.

Vagueia nesses bares de segunda
E mostra ao copo o gelo que te acalma.
E cala essa garganta moribunda
Que não sabe o caminho para a alma.

Promete àquele que te viu nascer
E fez de tristes sombras teu futuro
Que não farás, a quem te suceder,
O mesmo que te fizeram no escuro.

Irrita essa Ministra das Finanças
Que aliviou o bolso dessas calças,
Agora preenchido com livranças
E dívidas penduradas nas alças.

Despreza essa mulher que te maltrata
Cobrando o teu sossego com maus jeitos
E faz da tua vida mera errata
Dum livro de lamúrias e defeitos.

Registra essa menina que te adora
Elevando o teu nome com orgulho,
Acompanhando-te na vida fora,
Fazendo do teu ser um belo embrulho.

Invade o centro do teu hemisfério
E mostra-lhe o que está angustiado:
Aquilo que já fora um caso sério
E vive num semblante agoniado.

Ilustra-me o teu sonho mais perfeito
Com a pauta da mais linda melodia
Que ecoa mesmo em ar tão rarefeito
De gente que não sabe o que é poesia!

Homenagem ao Poeta Castro Alves / Ronaldo Gomes

Homenagem ao Poeta Castro Alves

Tempo!
Não, Castro Alves,
Não tenho nenhuma máquina do tempo,
Não tenho tempo,
O pouco que resta é posto à venda,
É consumido pelo fogo do passado,
É amordaçado pelas mãos frias e cruéis
Dos senhores de escravos.

Não!
Não tenho a força do teu grito Castro,
Apenas a cumplicidade do meu silêncio,
O meu navio é de papel, não tem correntes,
Não tem porões...

Castro Alves, você ouviu?
Sinta o silêncio,
Nasceu! Nasceu mais um escravo,
Não fora na senzala,
Mas num quarto escuro no subúrbio do Brasil,
Não fora retirado do ventre por uma preta velha,
Mas arrastado por mãos envoltas em sacos plásticos,
Não fora aquecido por fogueira,
Mas por chumbo que cortava a noite.
Ele é branco, mestiço, índio, negro, mulato...
Por isso ele não chorou,
Os pais ainda não sabem que o filho nascera.

Um velho político sorriu satiricamente.
- Tudo bem, ele é o nosso feitor!

Sei que vou morrer, Castro Alves,
Só não sei em qual esquina do mundo.
Cento e sessenta anos nos separam, o escritor e o escravo,
Escravo branco de uma sociedade espurcícia,
Que assistem de camarote gélida e letárgica
A escravidão do mundo, não mais só de negros,
E sim, todos os povos.

Padre!
A minha cruz é de madeira podre,
Não suporta o corpo,
Há um gozo profundo na alma do poeta,
Uma gota de orvalho escorrendo na minha dor,
Os cães degustarão os meus dedos, antes dos vermes.
Deus!
Salve a alma destes poetas-escravo.
Salve a paz.
Deus! Liberdade!
Liberdade!!

RELAXE E GOZE / MARTA SUPLICI

SELEÇÃO DE FOTOS PALAVRAS REPETIDAS

PEGA LADRÃO / GABRIEL PENSADOR

segunda-feira, 18 de junho de 2007

BRASIL / Cazuza / Nilo Roméro / George Israel

Brasil

Cazuza

Não me convidaram
Pra essa festa pobre
Que os homens armaram pra me convencer
A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada antes de eu nascer

Não me ofereceram
Nem um cigarro
Fiquei na porta estacionando os carros
Não me elegeram
Chefe de nada
O meu cartão de crédito é uma navalha

Brasil
Mostra tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim

Não me sortearam
A garota do Fantástico
Não me subornaram
Será que é o meu fim?
Ver TV a cores
Na taba de um índio
Programada pra só dizer "sim, sim"

Brasil
Mostra a tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim

Grande pátria desimportante
Em nenhum instante
Eu vou te trair
(Não vou te trair)

domingo, 17 de junho de 2007

Canção na plenitude / Lya Luft

Canção na plenitude

Lya Luft


Não tenho mais os olhos de menina
nem corpo adolescente, e a pele
translúcida há muito se manchou.
Há rugas onde havia sedas, sou uma estrutura
agrandada pelos anos e o peso dos fardos
bons ou ruins.
(Carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia.)

O que te posso dar é mais que tudo
o que perdi: dou-te os meus ganhos.
A maturidade que consegue rir
quando em outros tempos choraria,
busca te agradar
quando antigamente quereria
apenas ser amada.
Posso dar-te muito mais do que beleza
e juventude agora: esses dourados anos
me ensinaram a amar melhor, com mais paciência
e não menos ardor, a entender-te
se precisas, a aguardar-te quando vais,
a dar-te regaço de amante e colo de amiga,
e sobretudo força — que vem do aprendizado.
Isso posso te dar: um mar antigo e confiável
cujas marés — mesmo se fogem — retornam,
cujas correntes ocultas não levam destroços
mas o sonho interminável das sereias.


O texto acima foi extraído do livro "Secreta Mirada", Editora Mandarim - São Paulo, 1997, pág. 151. www.releituras.com

DIA DE DOMINGO

SOZINHO

FEITO NÓS / MILTON NASCIMENTO




Feito Nós
Milton Nascimento


Feito um anjo decadente

Meio santo, meio gente, à meia luz

Feito virgem inocente

Meio Deus, meio demônico, feito nós

Feito bicho em longo cio

Meio bom, meio ruim, quase normal

Feito a vida, enlouquecida

Meio morte, meio gozo

E carnaval

Séculos de lutas e de luto

Máscaras de dor e de arrôgancia

Décadas de nomes e de fome

Pátrias dissolvidas pelo poder

Lâmina que corta a carne fraca

Código de ética da raça

Máquina que mata sem remorso

Mácula na branca luz da manhã

Feito um mártir meio ingênuo

Meio burro, meio gênio nada mais

Feito louco, feiticeiro

Meio Cristo, meio Exu e Satanás

Mágicos e faunos na floresta

Lógica da física concreta

Cântico eternos como o vento

Tempo de escutar a terra falar

Lágrimas de todas as crianças

Dádiva de amor e de esperança

Pálido o futuro nos abraça