segunda-feira, 2 de abril de 2007

BIOGRAFIA

Luiz Gonzaga do Nascimento é nome inventado. O segundo dos nove filhos de Januário José dos Santos e Ana Batista de Jesus, nascido em 13 de dezembro de 1912, foi assim batizado por sugestão do padre. Até o sobrenome o vigário criou, inspirado pelo mês do nascimento de Cristo, “para dar sorte”. Lá em Exu (PE), pelo menos naquela época, ninguém parecia ligar muito para isso.

Perto de completar 33 anos, Luiz Gonzaga gravava o 25º disco como sanfoneiro, o primeiro como cantor. Fazia 15 anos que tinha fugido do sertão pernambucano – passara nove no exército e havia seis que tentava a vida como músico no Rio de Janeiro. Em 22 de setembro de 1945, nascia seu filho, com Odaléia Guedes dos Santos, cantora da noite que conhecera um ano antes. No cartório, ele mesmo escolheu o nome: Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior.

A história de pai e filho, daí em diante, é repleta de desencontros. Uma relação delicada, sofrida e de trágico final feliz, muito bem contada pela jornalista Regina Echeverria na biografia dupla Gonzaguinha e Gonzagão, já nas livrarias. Alternando capítulos sobre um personagem e outro, a autora mostra como os dois, com vozes, valores e temperamentos tão distintos, conseguiram unir nome e destino no fim da estrada.

Para escrever a biografia, a jornalista conversou com cerca de 50 pessoas. Voltou a Exu, foi ao Rio de Janeiro e a Belo Horizonte, onde Luiz Gonzaga Júnior viveu seus últimos 10 anos, com Louise Margarete Martins, a Lelete, e a filha Mariana. Ele teve mais três filhos: Daniel e Fernanda, com a primeira mulher, Ângela; e Amora, com Sandra Pêra, cantora das Frenéticas.

Foram dois anos de pesquisa. Parte do livro se baseia em 20 horas de entrevistas que Gonzaguinha fez com o pai, entre 1979 e 1980, durante a turnê do show Vida de Viajante, em que os dois andaram juntos pelo país. O material, inédito, foi cedido pela viúva do cantor, Lelete, e os filhos dele. A idéia de Gonzaguinha, ao gravar as conversas, era escrever um livro sobre o rei do baião.

Os depoimentos que o pai deu ao filho são comoventes. “Foi muito legal (ouvir essas fitas)”, diz Regina. “Gonzaguinha já tinha me contado sua história com o pai, como era difícil a relação e como ele conquistou o amor do velho Lua, que não sabia se era mesmo seu pai ou não. Mas isso, no final das contas, já não tinha a menor importância. Se não era, ficou sendo.”

Paternidade
A questão da paternidade, incerteza da vida inteira, é comentada logo no primeiro capítulo. Muita gente acha que Gonzaguinha era adotado. Não é verdade. O fato é que Gonzaga não se casou com Odaléia, mulher moderna para a década de 1940. Viveu com ela um romance de menos de dois anos. Estavam juntos quando Odaléia engravidou.

Dois meses depois do nascimento de Luizinho, como o menino era chamado, Odaléia teve tuberculose, foi internada. O bebê foi morar com os padrinhos, Dina e Xavier, casal sem filhos que vivia no Morro de São Carlos, no Estácio. Odaléia morreu em 1948. No mesmo ano, Gonzaga se casou com Helena das Neves Cavalcanti, “moça de família” que respondia as cartas de fãs para ele. Sua idéia era criar Luizinho com a esposa, mas ela não quis. Assim, Gonzaguinha cresceu no morro, com os padrinhos.

Como Helena não conseguia engravidar (eles acabaram adotando uma menina, Rosinha), levantou-se a suspeita de que Gonzaga não fosse pai biológico de Luizinho. Para piorar, o garoto não se parecia em nada com ele. Pai ausente, o músico via o filho aos domingos, quando não estava viajando (e ele vivia na estrada).

Quando o moleque dava muito trabalho, o pai o matriculava em colégio interno. De internato em internato, contraiu tuberculose, como a mãe. Aos 16 anos, curado, resolveu enfrentar a madrasta e ir morar com o pai. A convivência foi difícil. Tímido, vivia trancado no quarto, tocando violão. Gonzaga ralhava, queria ver no dedo do filho um “anel de doutor”. Só na virada dos anos 1970 para os 1980, quando Gonzaguinha já fazia sucesso como cantor e compositor, é que pai e filho se aproximaram de verdade.

Filiação conquistada
“Gonzaguinha acreditava tanto no trabalho dele, mas tanto, que conseguiu. Claro que não conseguiu ser igual ao pai, um fenômeno da música brasileira, intocável. Mas ele chegou bem perto”, comenta Regina. “No fim da vida, ele ajudou muito o pai. E o velho ficou louco com a neta. Marina se parecia com ele (Gonzagão) quando pequena, tinha aquela boca. Aí voltou tudo: será que esse menino não é mesmo meu filho?”

No livro, a autora não desata o nó, não resolve a questão. “Não consegui convencer ninguém a fazer os exames nos restos mortais”, justifica. “É provável que ele não fosse mesmo filho de sangue, mas quem vai provar? Eles tiveram muito tempo e oportunidade para resolver isso, mas não fizeram. Gonzaguinha era um homem muito prático. Para ele, o que importava era o que estava na certidão de nascimento.”

Num dos depoimentos que deu ao filho, Gonzagão dizia que Deus escrevia certo por linhas tortas: “Veja você, seu sangue não corre nas minhas veias. (...) Acho que a pessoa que mais gosta de mim é você. E sua mulher agora. Você tem uma filha parecida comigo. Você me respeita, eu respeito você e a coisa mais bacana da minha vida é você. Você é Gonzaguinha. Eu sou Gonzagão. Encontramos esse slogan. Eu me envaideço muito de você, sabia? Nunca me pediu nada. Te dei um violão velho, barato. Nunca me preocupou. Claro, a preocupação de pai. Eu sou pai postiço, mas sou pai e tenho sido pai, não é verdade?”

O livro foi praticamente todo escrito em São Vicente, no litoral de São Paulo. Coincidentemente, num apartamento com vista para a praia de... Gonzaguinha. Mas, impressionada mesmo, Regina Echeverria ficou quando viu o documento da caminhonete que bateu no Monza dirigido por Gonzaguinha, no acidente que o matou. O carro estava em nome de Luiz Gonzaga Krenchinski e Filhos Ltda. “É o ciclo de um nome inventado que se fecha. Que começa em 1912 e termina em 1991.”

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