quarta-feira, 16 de julho de 2008

CLARISSE LISPECTOR // A LUCIDEZ PERIGOSA

Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.
Estou por assim dizer vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma, e não me alcanço.
Além do que: que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez pode-se
tornar o inferno humano- já me aconteceu antes.
Pois sei que - em termos de nossa diária e permanente acomodação
resignada à irrealidade- essa clareza de realidade é um risco.
Apagai, pois, minha flama, Deus, porque ela não me serve para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir dos modos possíveis.
Eu consisto, eu consisto, amém.

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