quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

CRÔNICA DE MAITÊ PROENÇA

Sonho com o dia em que terei três horas pra não fazer nada e meu corpo sente saudades de uma encarnação em que fui peixe - nem o peso a carregar. Na Riviera Maya, recentemente o coração deu saltos diante das águas enluaradas de um mar soberbo. As ondas quebravam e os plânctones cintilavam em luzes de néon. A lua era cheia, o sol dourado, a areia solta e o mar... azul. Os dias teriam sido uma sucessão de clichês, não estivesse eu agarrada ao presente como um náufrago aos restos de seu barco. Aquilo era minha vida e pronto. Por não haver futuro a preocupar, as belezas naturais deslumbravam como se vistas pela primeira vez - só mesmo o ócio pra resgatar a verdade que há em todo lugar-comum.
Quero meu tempo de volta. Quem foi que inventou o futuro? Os índios não foram, viviam um eterno agora no caça, come, deita, acabou, levanta e caça de novo. Os budistas lá no outro lado do planeta também nunca quiseram saber do amanhã. E por toda a Idade Média as pessoas viveram de forma essencialmente contemplativa, na adoração a Deus. Foram os burgueses e os humanistas da Renascença que inventaram de "acordar" o mundo. Resolveram que a religião seria repensada e o modelo clássico de antropocentrização das artes e ciências seria adotado. Criaram o futuro e a necessidade de pavimentar o caminho até ele. O homem clamou pelo domínio da natureza e surgiram as noções de planejamento e crédito. A questão era: qual a vida mais nobre, a da contemplação ou a da produção, devemos viver no ócio, ou optar por sua negação, o neg-ócio?
A conversa vai longe e é filosófica, mas, resumindo o problema que resvalou pra nossos dias, é o seguinte:
Renunciando ao agora e desistindo do ócio criamos uma civilização de prazeres adiados em nome de um por vir que não chega nunca. O lado bom desta busca é o encontro com o novo e a sensação do renascer (o tédio dos reis, pra ser minimizado, impulsionou muito o crescimento das artes). Então, o preço pago pelas tribos de ócio foi a ausência de desenvolvimento e cultura, mas o preço pago pela civilização é o enquadramento do espírito, a correria e a falta de paz.
O que você faz no domingo? Consegue deixar a brisa levar ou precisa de uma intensa programação para o bom aproveitamento de seu lazer? Dá tempo de olhar em volta, sentir, ouvir, perceber o que se passa com as pessoas que quer bem? E olhar pra si, fazer aquela faxina interna, dá? Porque a gente veio aqui pra evoluir e encontrar a paz, mas será que é possível com tanto ruído em torno? Sonho de rico é praia deserta, luz de lampião e rede com vista pro mar - vida do pescador.
Eva e Adão viviam felizes lá no ócio sublime. Quando cometeram o deslize fatal, Deus expulsou-os da Perfeição e como castigo impôs-lhes o trabalho. Mas Deus é pai, e mãe, e por morada forneceu um mundo de natureza equilibrada onde em se plantando tudo dá. Com algum esforço sobraria bastante tempo para os deleites do espírito. Muito se andou, as eras se passaram e chegamos aos tempos modernos - vivemos a época do homem civilizado. No entanto, nunca como hoje fomos tão predadores e gananciosos.
Machucamos Gaia até a Mãe gritar, e o castigo divino virou um vício esgotante. Estamos tristes e se não cuidarmos agora do agora, o futuro não vai existir. Sei não, mas acho que nem nas fantasias mais tortuosas Deus imaginou filhos tão destrambelhados.
Cansada e sem tempo, peço perdão.

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