domingo, 27 de maio de 2007

CARTA ABERTA

por HOMERO BLOTA

Esta é uma carta aberta de um professor de Educação Física de escolas
públicas do Rio de Janeiro ao Sr. Carlos Nuzman, presidente do Comitê
Olímpico Brasileiro e do Comitê Organizador dos Jogos Pan-Americanos.

Prezado Sr. Carlos A. Nuzman,

Nunca lhe tive apreço pessoal, como pessoa e como dirigente desportivo. Como
pessoa, não lhe conheço. Portanto, são dessas antipatias gratuitas, que se
têm por aqueles cuja figura pública, por várias razões, acabamos confundindo
com a privada e, por isso, passamos a odiar ambas. Mas julgo-me no direito
de não apreciar sua aparente vaidade desmedida. Seus trejeitos e tiques.
Você parece não caber em si próprio, possuir uma vontade inenarrável de
aparecer mais do que os atletas. Não se ama, mas se inveja a cada vez que se
olha no espelho, demonstrando rigoroso desprezo por aqueles que estão à sua
volta. Esta e a impressão pessoal que tenho de ti, mesmo sem conhecê-lo.
Quem sabe estou equivocado.

Como dirigente esportivo e sendo eu um professor de Educação Física que
tenta levar a causa do esporte aos cidadãos pobres do Rio, aí sim, tenho
opinião formada sobre você, sobre a política que você adotou para os
esportes olímpicos do Brasil. Leia esta carta com humildade, que reflete a
opinião, tenha certeza, não somente minha, mas de uma gama enorme de gente
no Brasil, que discorda de maneira frontal de suas ações. Aceite-a como uma
contribuição à sua jornada, se assim for capaz.

Desde que assumiu a direção do Comitê Olímpico Brasileiro, sua preocupação
não foi outra que não transformar aquela entidade numa mera empresa
organizadora de eventos desportivos, com o intuito de:
(a) dar lucro;
e (b) projetar a sua figura nacional e internacionalmente.

Aquele que deveria ser o órgão brasileiro destinado a propor para o país
uma política desportiva de base, estimulando jovens de todos os cantos da
nação a praticar esportes, interessou-se, simplesmente, em organizar
megaeventos (ou tentar organizá-los).

Diga-me, Carlos A. Nuzman, o que foi que você fez para o esporte de base do
Brasil desde que assumiu a presidência do COB? O que você fez para os mais
necessitados?

Colocou o nosso Rio de Janeiro em duas candidaturas olímpicas malogradas,
fantasmagóricas (e ainda coordenou a mais malograda ainda, Brasília 2000),
mesmo sabendo, de antemão, que as chances de vitória seriam nulas. Sem falar
nos escândalos financeiros que envolveram tais candidaturas.

Não teria sido mais útil ao nosso pobre Brasil se seus esforços tivessem
sido concentrados para arrecadar essa dinheirama toda para ser gasta em
campos de esporte em locais menos favorecidos de regiões distantes?

Você sempre soube que as chances de Brasília e do Rio de Janeiro eram
absolutamente nulas.
E insistiu nelas, parece-me, com o intuito de autopromoção e de arrecadar
grandes quantias, cujos balanços financeiros até hoje não estão concluídos,
como bem noticia a imprensa e conforme se apura do Tribunal de Contas da
União. Assim como quer impingir ao Brasil, novamente, um novo escândalo que
se chamará Rio 2.016?

Use esse dinheiro para criar competições de base no Nordeste do Brasil, por
exemplo, para jovens, que nunca praticaram esgrima, handebol, ginástica
olímpica, remo, ou levantamento de peso. Promova e prestigie os esportes que
o elegem e reelegem, indefinidamente.
Não gaste esse dinheiro em hotéis, banquetes, presentes, mimos e
salamaleques, ou viagens de primeira classe e hotéis de luxo com delegados
do Comitê Olímpico Internacional.

Se tivermos dinheiro para uma candidatura olímpica Rio 2.016, gaste, que
seja, para melhorar as condições das instalações públicas das escolas
públicas do Estado do Rio, se quiser limitar seus horizontes à sua terra
natal.

Vejo os jornais e percebo que sua gestão é repleta de denúncias de
irregularidades. Nunca vimos antes tamanhos descalabros.
Sem qualquer pecha, você entrega o design das roupas da delegação olímpica à
sua cunhada Mônica Conceição, dá a Chefia das delegações olímpicas e
pan-americanas do Brasil ao seu diretor e companheiro Marcos Vinicius
Freire que, ao mesmo tempo, representa no Brasil a AON Seguros, que é quem
faz os seguros das seleções do seu Comitê. De quebra, esse mesmo Marcos
Vinicius Freire é amigo e sócio do Ricardo Aciolly que, por sua vez, ganhou
os direitos de comercialização dos bilhetes do Pan-Americano. De quebra,
também ganhou os direitos sobre as cerimônias de inauguração e encerramento
da mesma competição.

A agência de turismo que presta serviços ao COB é a da sua grande amiga
Cristina Lowndes, em uma licitação até hoje contestada e dirigida. A empresa
contratada para idealizar (somente idealizar, e mais nada) as medalhas do
Pan-Americano ganhou o direito de fazê-lo através de uma mera carta convite,
auferindo R$ 720.000,00 em um contrato de três anos.

A filha de sua atual mulher, é estagiária de direito do COB e viajou a
Suíça, às expensas da entidade, para "assessorar a defesa do Vanderlei
Cordeiro de Lima", sem sequer estar formada, ou possuir inscrição na OAB/RJ.

Apesar de o decreto que regulamenta a Lei Piva obrigá-lo a licitar todas a
contratações de obras e serviços, por ser o COB um órgão que vive do
dinheiro público, absolutamente é licitado, a não ser a famosa contratação
da Tamoyo Turismo, da sua amiga Cristina Lowndes, sobre a qual pairam
acusações de licitação dirigida.
Eu não estou inventando nada disso. Tudo aqui é relatado na imprensa ao
longo do tempo e concatenado no blog http://averdadedopan2007.blogspot.com/
, que é um verdadeiro documento histórico sobre aquilo que você e a rede
Globo passaram a chamar de Pan do Brasil.

Antes, Sr. Nuzman, era o Pan do Rio, seu e do prefeito César Maia. Quando se
viu que sem vultosas verbas federais a coisa não andaria, mudaram o slogan
e, para justificá-las, a Globo criou a frase "O PAN DO BRASIL". Isto é,
superpago com o dinheiro de todos os brasileiros.

O senhor e a rede Globo de televisão estão fazendo de tudo para mascarar a
verdade do Pan.

Primeiramente, o Pan, em termos técnicos, não é que nos fazem parecer.
Internacionalmente o Pan é considerada competição fraca. Não enganem o povo
brasileiro, achando-os imaginar que somos uma potência olímpica somente
porque nos Jogos Pan-Americanos ganharemos mais de 100 medalhas, superando
Honduras, El Salvador, Nicarágua, Bolívia, Ilhas Virgens, Paraguai, Bahamas,
ou mesmo as equipes C dos EUA e Canadá, ou Cuba que, devastada pela pobreza
já não é mais a mesma. Desmistifiquem esses Jogos e sejam leais com o povo,
explicando que a Universíade, os Jogos da Common Wealth, os Jogos
Mediterrâneos, os Jogos do Pan Pacific, os Jogos Asiáticos, ou qualquer
outro campeonato mundial de qualquer modalidade tem nível técnico muito
superior aos dos Jogos Pan-Americanos.

Se você e a Globo não explicarem isso direitinho, o povo brasileiro vai
estranhar que, no ano que vem, em Pequim, o país continuará à mingua em
medalhas na natação, na esgrima, no box, no atletismo, e ver o nosso
handebol ficar em ultimo, ou antepenúltimo.

Quantas medalhas a natação do Brasil ganhou neste recente mundial? Nenhuma,
embora nossos bravos atletas tenham feito excelente papel.

O fato, Nuzman, é que estamos a anos luz de sermos uma potência olímpica, e
os Jogos Pan-americanos não podem mascarar essa verdade. Para vencer a
candidatura do Texas na Odepa, o senhor faltou com a verdade junto aos
delegados da Odepa. Apresentou-lhes um dossiê de candidatura absolutamente
impossível de ser cumprido. Tanto é verdade que nada do que está lá está
sendo cumprido. É um dossiê megalômano.

Não foi construída uma só das obras prometidas no dossiê que você subscreveu
e entregou a Odepa, tais como metrô, linhas de transporte, alargamento de
avenidas, despoluição da Baía da Guanabara, para citar alguns exemplos. Não
falo nem nos hospitais para atender atletas, dirigentes e turistas, que
absolutamente não existem no nosso Rio de Janeiro.

Ademais, vocês estão usando o Pan para tirar do papel coisas que há muito
tempo se pretendiam no Rio de Janeiro e não se fazia porque é ilegal, ou
porque não é do interesse da Cidade. Cito alguns exemplos: a reforma da
Marina da Glória não é um projeto do Pan. É um projeto antigo que grupos
privados já queriam efetivar há muito tempo; construir um shopping na Lagoa
por conta da raia de remo.

A mesma coisa do relatado acima, é entregar o Rio Centro para a iniciativa
privada; também é um projeto antigo que interessa a grupos privados há
bastante tempo.

Vocês estão usando o Pan como justificativa para acolher interesses desses
grupos. Ora, eu pergunto:
- Para que reformar a Marina da Glória, que é tombada pelo IPHAN, se ela
abriga um Pan-americano como está?
- Para que construir um Shopping Center na Lagoa, para a raia de remo? Isso
e necessário para o Pan?
- Por que entregar a administração do Rio Centro para a iniciativa privada
por conta do Pan? O que tem uma coisa a ver com a outra?

Esse Pan virou um grande balcão de negócios e eu me envergonho dele.

Também vale comentar os elefantes brancos que você está construindo.
Lembro-me que no passado o seu mesmo COB já não quis construir obras
faraônicas semelhantes por julgá-las elefantes brancos, por entender que
faltaria dinheiro para mantê-lo. Mas você insistiu com eles.

Indago, não seria melhor ter feito esse Pan-Americano investindo na
infra-estrutura dos clubes, centro formador de atletas e, após os jogos,
isso ficaria como legado para eles? Não teria sido uma opção bem mais
barata também?
Para que servirá o Engenhão depois? Talvez para a Copa do Mundo de 2.014.
Mas à parte disso, de nada servirá para o esporte olímpico do Brasil.

O mesmo raciocínio aplica-se às obras do nosso autódromo de Jacarepaguá.
Ocorre que um Pan mais barato, mais consciente não geraria tanta obra, tanta
construção, tanto fluxo de capital, de super capital. O superfaturamento
nas obras é vergonhoso. Mostra falta de planejamento, de rigor e respeito
com o dinheiro público.

Você vendeu algo que não poderia entregar. E encostou a faca no peito do
Governo Federal como quem diz: Ou paguem a conta, ou vamos dar vexame no
exterior. E pagaram a sua conta.
Outro dia circulou no e-mail uma reportagem feita por um repórter do grupo
Uol (cujas credenciais você corta em competições desportivas). Ele tentou
visitar todas as obras do Pan-Americano e locais de competição. Fez um
relato nu e cru da situação.

Tentou ir de táxi comum. Os motoristas do Rio sequer sabiam onde eram muitos
desses locais.
Para acessá-los, teve de ir em peruas clandestinas, enfrentar matagais, pois
não há, ainda, acesso aos locais de prova. Visitou a Vila Pan-americana e
relatou o insuportável cheiro de esgoto que tem lá.
Que atleta vai agüentar aquilo lá? Tudo isso a três meses dos jogos.

E você e a Globo mascaram tudo isso. Da mesma forma como a Globo e a Sportv
não deram a briga de facções que se engalfinharam na apresentação dos
voluntários que trabalharão na competição.
E você, senhor Nuzman, ainda quer fazer Olimpíada no Brasil.

O nosso atletismo esta falido. Não fosse a BM&F ele não existiria.

O nosso basquete ainda sorri alguma esperança em razão na Nossa Liga de
Basquetebol. Mas outros esportes como a esgrima, o handebol, o boxe, o
beisebol, o remo, a canoagem, o levantamento de peso não recebem apoio algum
do seu Comitê.

Não se sabe ao certo o que você faz com a Lei Piva. Sabe-se que grande parte
dela fica no próprio COB, para suas festas, presentes e viagens, o que é
incompreensível.

Para que o COB quer dinheiro? Deveria ser tudo repassado para as
Confederações, principalmente as mais pobres.

Sr, Nuzman, medalhas não são importantes. O importante é ter gente pobre no
Brasil, em massa, fazendo muito esporte, em larga escala. Quando isso
acontecer, depois de muitos anos, surgirão, naturalmente, grandes atletas
olímpicos.

Mas isso é um trabalho de longuíssimo prazo. E até lá você já estará morto.
Eu também, um velho professor. E eu não acho que você tenha essa grandeza de
pensar assim.

Ganhar meia dúzia de medalhas em Olimpíadas em esportes que sempre ganharam
medalhas, ao longo dos anos, não representa absolutamente nada para o
Brasil. O que eu realmente espero, passado o Pan-Americano, é que o
Ministério Publico e os vereadores, bem como o povo dessa nossa querida
cidade se ocupem de investigá-lo.

Eu amo o esporte e lamento ver o olimpismo ter se transformado em uma grande
negociata. Assim, nunca iremos chegar a lugar algum.

Espero que nas Olimpíadas de Londres o senhor continue assim, vibrante, com
cada vez mais trejeitos, tiques e tremeliques, torcendo muito pelos nossos
bravos atletas. Mas confortavelmente sentado em sua poltrona em sua casa no
Rio de Janeiro.

http://averdadedopan2007.blogspot.com

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