Velho Livro
Ao ver-te ai tão isolado velho mestre puído
Desmaiado, amarelento, só e desgastado!...
Pelo caminhar dos anos e, agora esquecido,
Jazes na campesina e rústica mesa, abandonado...
É também velho, o tosco móvel, marcado,
Tal qual antigos ferimentos cicatrizados!...
E ao fechar os olhos o passado se repete...
Nas bordas estão as rugas feitas a canivete!
E ainda por cigarros ou tocos de velas gastas
Mostra no tampo nódoas negras queimadas
E de jarras e copos de vinho as impressões...
Saraus na antiga taberna de boêmias canções!
E agora, urbano antiquário a expõe e abriga;
Como peça antiga de autêntica e rara beleza!
Quantas falsas juras de amor, trapaças e intrigas
Foram proferidas sobre a muda e surda mesa?
Sobre ela estás velho livro e junto o passado,
Com o inseparável e fiel par de óculos ao lado,
Tendo as suas lentes riscadas e embaciadas
Por infindáveis leituras das doutrinas ensinadas.
Infiltra-se o sol quente em raios prazenteiros
Por arestas do velho portal colonial brasileiro
Iluminando respeitoso em fachos de luz doirada,
Na penumbra, a tua capa grossa e desbotada;
Encadernada e que foi cor encarnada um dia,
E que ainda guarda beleza e nobre galhardia.
Velho carrilhão em guarda de olho arregalado!
É de tempos remotos, mas ora no tempo parado!
Está exausto de cadenciar os passos das horas,
E empresto-lhe o pulsar do meu peito agora.
E ante majestosas maravilhas e coincidências,
Pergunto quais as doutrinas ou confidências,
Estarão latentes pelas rotas capas protegidas?
Qual a voz das letras nas folhas amarelecidas?
Conterão meigas histórias infantis ou fábulas;
Povoadas de príncipes encantados e fadas?
Talvez apaixonadas cartas de amor encerram?
Ou épicas narrativas de batalhas e guerras?
Ou façanhas de temíveis piratas saqueadores,
Nas caravelas em busca de tesouros e amores?
Quem sabe sentenças de bruxas à fogueira?
Algum romance antigo, talvez, de cabeceira?
Ou ainda registros de canonização de santos?
Ou folhas manchadas por gotas de prantos?
Compêndio de orações contra maus-olhados,
De um satanás também decrépito e arqueado?
Um raro tomo de tratados de antiga medicina?
Ou será um diário encantado de moça-menina?
Os Assentamentos de noivados e casamentos,
Nascimentos, batizados e os sepultamentos?
Ou conterão rituais de magia? E os ensinando?
Ou de alquimia, o ferro em ouro transmudando?
Ou partituras de algum concerto, manuscritas?
Ou xilogravuras e desenhos originais de artista?
Quem sabe a sapiência do velho testamento?...
Os registros de ingresso em algum convento?
Podes conter, velho livro, a história do mundo:
Romances passionais ou segredos profundos...
Estás, na tua sapiência, tão nobre e suntuoso;
Eu sentia estar vivendo momento majestoso
Resisti ao impulso de macular-te com os dedos
Diante de tanta beleza respeitei teus segredos,
E permaneci ali, como o velho relógio, parado...
Saboreava êxtase profundo como hipnotizado.
Então percebi que eu não estava mais sozinho
Sábia a vida me fez andar e cruzar teu caminho
Tendo a companhia de tuas letras por momentos
E ali, mesmo fechado transmitias ensinamentos;
E comunguei tuas letras, frases, o começo e fim...
No silêncio tive o amigo e mestre diante de mim.
Mesmo de capas cerradas ensinou-me o que digo
Pois quem tem livro não está sozinho! Tem amigo!
E quando o abre na verdade encontra aconchego.
Vão-se as ignorâncias, as inseguranças e medos!
E aberto estarão abertos, do mundo, os caminhos:
Que terão menos dissabores, pedras e espinhos!
Descanse velho mestre, mas sê atento nesse altar...
Porque quando dúvidas brotarem da vida moderna
Virão, como filhos germinados que são, te consultar!
Ai estarás...sempre sábio...sobre a mesa de taberna!
Emocionado!... Ao respeito devido...Não me privo...
Retiro-me sem dar as costas ao solene e velho livro!
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