Autor: Pássaro Distante
Navega nesta água que transborda
Do lago do meu peito fundo e preso
De sonhos que precisam duma borda
Que ampare quem não quer ficar ileso.
Viaja junto à estrada que me nega
O ponto de partida obrigatório
Girando pela faixa que sossega
Apenas com um som inquisitório.
Abraça a ponte que te viu partir
Eivada dumas nuvens sem tempero,
Aquelas que, fazendo-te sorrir,
Mostraram como é belo o desespero.
Afaga a fome nesse hotel sombrio
Que despe a tua máscara ingrata
Que ao espelho vê a luz do arrepio:
Cinzenta como a vida que te enfarta.
Aquece o lume da indignação,
Aceso pelas brasas do destino
Que queimam a mais bela oração
Imposta desde um berço de menino.
Habita a maresia que te salga
Com gotas de oceano sorridente
Que, brando, nem sequer fere, ou galga,
Um porto ou cais amigo e confidente.
Onera esse teu corpo encardido
De cheiros de animais de outras bandas,
Aqueles que sussurram ao ouvido:
Prometem ilusões, ou seja, tangas!
Não esqueças de piscar o olho à lua
Que encobre o gosto pelo descaminho
E mostra o rosto que no mar flutua
À espera de um dia ficar sozinho.
Ampara a queda de uma estrela rara
Que veio ao teu caminho, sem juízo
E fez a tua vida negra e cara
Cegando no que mais era preciso.
Vislumbra no meu ser funesta caixa
De sonho ou projecto mal montado
Visível nas horas de maré baixa
Mas sempre, ou quase sempre, afogado.
Irrita aquele que te quer amar
E põe à prova o seu sentimento
Sabes, então, que não vai fraquejar
Quando a tormenta seja algum tormento.
Atura-me esse homem embrutecido
Que arrota dinheiro pelas entranhas.
É o preço de apenas teres querido
Dizer lamúrias ou viver em manhas.
Isola essa mulher autoritária
Querendo prender tudo à sua volta:
Acabou numa casa mortuária
De onde recebeu divina escolta.
Vagueia nesses bares de segunda
E mostra ao copo o gelo que te acalma.
E cala essa garganta moribunda
Que não sabe o caminho para a alma.
Promete àquele que te viu nascer
E fez de tristes sombras teu futuro
Que não farás, a quem te suceder,
O mesmo que te fizeram no escuro.
Irrita essa Ministra das Finanças
Que aliviou o bolso dessas calças,
Agora preenchido com livranças
E dívidas penduradas nas alças.
Despreza essa mulher que te maltrata
Cobrando o teu sossego com maus jeitos
E faz da tua vida mera errata
Dum livro de lamúrias e defeitos.
Registra essa menina que te adora
Elevando o teu nome com orgulho,
Acompanhando-te na vida fora,
Fazendo do teu ser um belo embrulho.
Invade o centro do teu hemisfério
E mostra-lhe o que está angustiado:
Aquilo que já fora um caso sério
E vive num semblante agoniado.
Ilustra-me o teu sonho mais perfeito
Com a pauta da mais linda melodia
Que ecoa mesmo em ar tão rarefeito
De gente que não sabe o que é poesia!
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