Fernando Lobo foi uma personalidade da crônica jornalística entre as décadas de 1940 e 70. Nasceu no Recife e passou bom tempo da juventude em Campina Grande, Paraíba. Aprendeu violino e tocou numa Jazz-Band de sua cidade natal. Mudou-se, após ter-se formado advogado, para o Rio de Janeiro onde arranjou emprego como redator na rádio Tupi. No mesmo ano, 1942, casou-se com Maria do Carmo Góes Cavalcanti e teve com ela logo depois um menino em 29/08/43. Chamaram-no Eduardo de Góes Lobo. Fernando Lobo, grande boêmio das noites cariocas, enveredou também pela composição musical tornando-se o autor de clássicos como Nega maluca (com Evaldo Rui), Ninguém me ama (com Antonio Maria, também pernambucano e amigo de longa data), Siga (com Hélio Guimarães) e Chuvas de verão, gravada por Francisco Alves, Silvio Caldas e Caetano Veloso, este para trilha de filme homônimo de Cacá Diegues (1977). Entre outras coisas também lançou Marília Medalha no III Festival de MPB da Tv Record com a canção Diana Pastora. Curiosamente, nesse momento, deu como encerrada sua carreira de compositor quando viu seu filho vencer a acirrada competição com Ponteio (com Zé Carlos Capinan). Era o ano de 1967. Um novo Lobo estava definitivamente à solta. E Guará, claro, por ser legitimamente brasileiro.
Edu Lobo, em verdade, já havia começado sua carreira. A princípio não era bem o que seu genitor desejava, sabedor das dificuldades existentes no meio artístico. Edu chegou a tentar o Direito, mas a influência paterna o marcou, inclusive por ter estudado acordeão ainda garoto, aprofundando a paixão pela musica popular. Embora convivesse em casa com um dos grandes nomes do samba-canção a sua mocidade estava envolvida pelo clima que forjou a bossa-nova, tempos de um cantinho e um violão, fácil de carregar e mostrar o talento nas festinhas dos apartamentos de Copacabana. Entre os amigos estavam Dori Caymmi e Marcos Valle. Edu através do pai - já convencido de seu desejo - conheceu muita gente do meio e, aos 19 anos, conseguiu fazer sua primeira gravação: um compacto duplo. Ainda em 1962 uma composição sua intitulada Só me fez bem recebeu letra de Vinícius de Moraes. Nada mal para um iniciante que se tornara bom violonista - incentivado por Theo de Barros, de Menino das laranjas e Disparada - e tinha grande curiosidade pelos aspectos técnicos da arte musical.
Dessa época cabe destacar o trabalho do CPC - Centro Popular de Cultura da UNE - União Nacional dos Estudantes que contrapunha à bossa-nova 'classe média urbana' uma sonoridade mais agressiva e sertaneja, inspirada no espírito nordestino. Carlos Lyra está vinculado a este movimento que geraria um 'racha' no ambiente tendo, de um lado, o pessoal do 'o amor, o sorriso e a flor' e, de outro, aqueles preocupados com a temática social dada a profunda desigualdade nacional existente que, diga-se, permanece ainda hoje como das piores distribuições de renda do mundo. Edu Lobo acabou se engajando nesta corrente mais o parceiro Ruy Guerra com quem elaboraria temas como Canção da terra, Reza e Aleluia.
O período era de grande fertilidade para o intuitivo Edu que principiava trabalho com o dramaturgo Gianfrancesco Guarnieri produzindo a trilha da peça Arena contra Zumbi, em parceria com Vinicius de Moraes. Sozinho faria Borandá, obra que chamou a atenção de Tom Jobim e, por isso, foi-lhe aberta chance de gravar um LP pelo selo Elenco, com produção de Aloysio de Oliveira e a participação do Tamba Trio, ou seja, Luiz Eça ao piano, Bebeto na flauta e baixo e O'Hanna à bateria. Nessa bolacha ele registrou suas composições com Ruy Guerra, bem como Chegança em parceria com Oduvaldo Vianna Filho e Zambi, Canção do amanhecer e Arrastão com Vinícius de Moraes. Esta última tem uma história à parte. Com ela a cantora gaúcha Elis Regina, a 'pimentinha', venceria em 1965 o I Festival da Musica Popular Brasileira na Tv Record impulsionando sua carreira. Ela ainda gravaria de Edu perolas como Corrida de jangada, Casa forte e Upa, neguinho (com Guarnieri). Ele voltaria a trabalhar com Guarnieri na peça Marta Saré enquanto se tornava freqüentador assíduo do programa televisivo apresentado por Elis e Jair Rodrigues em O fino da bossa na mesma Record. Foi seu momento de maior visibilidade na mídia.
Após a consagração em 1967 Edu Lobo alcançaria novo 'podium' com um 2º lugar no ano seguinte com Memórias de Marta Saré. Contudo, o clima político se fechou e ele sentiu chegar a hora de partir e aprofundar os estudos musicais no exterior. Foi para os EUA onde encontrou o patrício Sérgio Mendes. Juntos em 1970 lançaram pela A&M um LP com regravações como Ponteio, Zanzibar e Prá dizer adeus (com Torquato Neto) além de uma inusitada interpretação da beatle song Hey Jude. Contou com a participação de gente como Hermeto Paschoal, Oscar Castro Neves, Sebastião Neto e Airto Moreira. Edu gravou também From the hot afternoon com o 'aveludado' saxofonista Paul Desmond - autor de Take five com o Dave Brubeck Quartet - mais o famoso baixista de jazz Ron Carter. Compôs uma missa entre outros trabalhos de caráter mais erudito. Entretanto, foi mesmo o seu lado popular que se destacaria com maior apuro e qualidade.
A saudade bateu forte. Sentiu o momento de retornar ao Brasil, mesmo estando a nação sob pesadas nuvens que demorariam a ser dissipadas pela redemocratização. Em 1971, já em Pindorama, continua a escrever. Compõe Vento bravo' e Viola fora de moda. Passa a trabalhar principalmente como arranjador e produtor de trilhas de filmes, peças teatrais e séries televisivas durante bom período, apresentando-se vez por outra em circuitos universitários. Realiza trabalhos com um novo parceiro, Antonio Carlos de Brito, o Cacaso. Participa de shows em Angola, Alemanha e Portugal.
Em 1981, para começar a nova década, lança dois trabalhos: uma trilha para o curitibano Balé Guaíra chamada Jogos de dança e um encontro memorável com a grande referência sonora para sua vida, o maestro Tom Jobim. Deste cruzamento nos estúdios Polygram ficaram 10 gravações entre as quais preciosidades como Chovendo na roseira, Moto contínuo, Canção do amanhecer, Canto triste e Luiza. Refinados momentos musicais. Como uma das mais evidentes provas de que Deus é brasileiro, dois anos depois, Edu articula-se com Chico Buarque para, a quatro mãos, desenvolverem os temas de O grande circo místico, poema de Jorge de Lima e roteiro de Naum Alves de Souza, destinados ao Balé Guaíra. Brotariam aqui composições maravilhosas como Valsa dos clowns, Sobre todas as coisas, A bela e a fera, O circo místico e a infinitamente linda Beatriz. Ambos legariam ainda outros tesouros sob a forma de trilhas para a MPB com Corsário do rei (1985), Dança da meia lua (1988) e, mais recentemente, Cambaio (2001). Entre os temas de 85 está Choro bandido e de 88 Valsa brasileira.
Na última década do século XX Edu Lobo continuou compondo sonorizações, como para o filme Canudos, de Sérgio Resende, mas também voltou a lançar discos: Corrupião (1993) e Meia noite, com o qual venceu o premio Sharp como o melhor da MPB em 1995. Registros daquilo que ele vem fazendo com muita competência ao longo de sua brilhante carreira, isto é, produzir belos trabalhos contando sempre com a luxuosa presença de parceiros de alta categoria como Aldir Blanc, Paulo Cézar Pinheiro, Abel Silva e Joyce sendo que, com os três últimos, produziu em 1990 a trilha da laureada série infantil da TV Cultura Rá tim bum. Em 1995 foi ainda homenageado pela Lumiar, de Almir Chediak, com um Song Book, tendo lançados em conjunto livro de partituras e CD com vários intérpretes de peso para suas peças. Esse lobo talentoso sempre soube com quem formar sua alcatéia. Passando à margem do massificado e descartável, não tolerando lero-lero, deve nada a ninguém. Bem que ele há tempos avisara: 'jogaram a viola no mundo/ mas, fui lá no fundo buscar/ se eu tomo a viola, ponteio/ meu canto eu não posso parar, não'. Assim seja.
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