Oração a Mim Mesmo
Oswaldo Begiato
Que eu me permita olhar e escutar e sonhar mais.
Falar menos. Chorar menos. Ver nos olhos de quem me vê a admiração que eles me têm e não a inveja
que prepotentemente penso que têm. Escutar com meus ouvidos atento se minha boca estática,as
palavras que se fazem gestos e os gestos que se fazem palavras. Permitir sempre escutar aquilo que eu
não tenho me permitido escutar. Saber realizar os sonhos que nascem em mim e por mim e comigo
morrem por eu não os saber sonhos.
Então, que eu possa viver os sonhos possíveis
e os impossíveis; aqueles que morrem e ressuscitam
a cada novo fruto, a cada nova flor, a cada novo calor,
a cada nova geada, a cada novo dia. Que eu possa sonhar o ar, sonhar o mar, sonhar o amar, sonhar o
amalgamar. Que eu me permita o silêncio das formas,
dos movimentos, do impossível, da imensidão de toda profundeza. Que eu possa substituir minhas
palavras
pelo toque, pelo sentir, pelo compreender, pelo segredo das coisas mais raras, pela oração mental
(aquela que a alma cria e que só ela, alma, ouve e só ela, alma, responde Que eu saiba dimensionar o
calor, experimentar a forma, vislumbrar as curvas, desenhar as retas, e aprender o sabor da exuberância
que se mostra nas pequenas manifestações da vida.
Que eu saiba reproduzir na alma a imagem que entra pelos meus olhos, fazendo-me parte suprema da
natureza, criando-mee recriando-me a cada instante.
Que eu possa chorar menos de tristeza e mais de contentamentos. Que meu choro não seja em vão,
que em vão não sejam minhas dúvidas. Que eu saiba perder meus caminhos, mas saiba recuperar meus
destinos com dignidade. Que eu não tenha medo de nada, principalmente de mim mesmo:
— Que eu não tenha medo de meus medos!
Que eu adormeça toda vez que for derramar lágrimas inúteis, e desperte com o coração cheio de
esperanças.
Que eu faça de mim um homem sereno dentro de minha própria turbulência, Sábio dentro de meus
limites
Pequenos e inexatos, humilde diante de minhas grandezas tolas e ingênuas(que eu me mostre o quanto
são pequenas minhas grandezas e o quanto é valiosa minha pequenez). Que eu me permita ser mãe, ser
pai, e, se for preciso, ser órfão. Permita-me eu ensinar o pouco que sei e aprender o muito que não sei,
traduzir o que os mestres ensinaram e compreender a alegria
com que os simples traduzem suas experiências;
respeitar incondicionalmente o ser; o ser por si só,por mais nada que possa ter além de sua essência,
auxiliar a solidão de quem chegou,render-me ao motivo de quem partiu e aceitar a saudade de quem
ficou. Que eu possa amar e ser amado.Que eu possa amar mesmo sem ser amado,
fazer gentilezas quando recebo carinhos;
fazer carinhos mesmo quando não recebo gentilezas. Que eu jamais fique só, mesmo quando eu me
queira só.
Amém.
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