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segunda-feira, 31 de março de 2008
Olivia Hime - Mar de Algodão
Mar da Tarde, Mar da Noite, Mar da Manhã. Estas referências, aparentemente singelas, guardam muito do mistério e das imagens contidas na música do maior compositor brasileiro vivo, Dorival Caymmi. A idéia de transformar as marinhas de Caymmi em três suítes foi concebida por Olivia Hime e desenvolvida no CD Mar de Algodão, lançado no ano passado pela Biscoito Fino, com produção de Rodolfo Stroeter. Obcecada pelo impacto "visual" das canções de Caymmi, Olivia entendeu que a extensão natural das cores sonoras do mestre (que completa 90 anos em abril de 2004) ficariam ainda mais nítidas impressas na tela. Não na tela de pintor, que também tem em Caymmi um criador dedicado, mas adequando, a esta pintura, som e imagem que fazem de Mar de Algodão o primeiro DVD realizado com a obra de Dorival.
Os "pintores" musicais arregimentados por Olivia trataram de conceber, cada qual a seu modo, as matizes impressionistas que acompanhariam o ciclo das águas marinhas no cancioneiro da Bahia concebido por Caymmi. O jovem violonista Paulo Aragão e o clarinetista / saxofonista Nailor Proveta se encarregaram dos arranjos, ora tempestuosos, ora ensolarados do Mar da Manhã. As imagens mostram o arrebatador Quarteto Maogani (formado pelos violonistas Carlos Chaves, Marcos Alves, Marcus Tardelli e o próprio Aragão) transportando para suas cordas as sonoridades, sempre entre a singeleza e o mistério, das manhãs de Caymmi. Na seqüência, os arranjos de sopro emprestam densidade e amplitude a Canoeiro, Milagre, Dois de Fevereiro / Festa de Rua, Morena do Mar Quem Vem pra Beira do Mar, flagradas pelas câmeras do diretor Luiz Fernando Goulart, desde o estúdio da Biscoito Fino, no Rio de Janeiro, ao litoral norte de Salvador.
Wagner Tiso é o encarregado do Mar da Tarde, engrossando as cores com intensidade orquestral, munido de cellos e violas, na alma solitária do bandolim, executado por Marcílio Lopes, que remete ao além-mar ibérico, entre a alegria mítica e a melancolia, costurando a África, nas rotas da Bahia a Minas, estrada natural que liga Saudade de Itapoã, O Bem do Mar, João Valentão, Cantiga da Noiva, O Mar. João Valentão pode ser considerado um bonus track do DVD. A canção ficou de fora do disco por não caber nos setenta e poucos minutos de duração de um CD. Na orquestração arquitetada por Tiso, destaque para a harmônica de Maurício Einhorn, o clarinete de Cristiano Alves, o violão de Paulo Becker e Marcelo Gonçalves, a flauta de Andréa Ernest Dias, o cavaquinho de Henrique Cazes, o piano de Marcos Nimritcher.
O Mar da Noite, o mais denso e misterioso, foi orquestrado pelo maestro Francis Hime, acrescentando violinos à formação orquestral. As músicas que couberam a Francis foram Noite de Temporal / O Vento, A Lenda do Abaeté, Temporal, É Doce Morrer no Mar, Adeus da Esposa, Sargaço Mar, Quem Vem pra Beira do Mar. Destaque para as imagens da Lagoa do Abaeté, captadas por Goulart, como complemento à diversidade orquestral concebida por Hime. Foi Francis quem incentivou Olivia a encontrar nuances, enxergar outras matizes nas três suites:
"Francis me fez observar que dentro da manhã, da tarde e da noite estão o amanhecer, a alvorada, o meio-dia. Foi descobrindo outros sentidos guardados nas suítes, a medida que percebia o caráter de cada música, umas mais sensuais, outras mais desesperadas, outras canções de trabalho. Eu mesma escolhi a ordem das canções, obedecendo um roteiro que aparecia em minha cabeça toda vez que pensava nas marinhas de Caymmi" - diz Olivia.
"O trabalho dos arranjadores foi fundamental. Enquanto cantora, procurei ser um instrumento a mais, a serviço das canções, e não o contrário. O primeiro a ser convidado foi Dori Caymmi, por ser um dos melhores de minha geração e por ser filho de Dorival. Mas não foi possível para ele realizar o trabalho. Foi aí que Rodolfo Stroeter me sugeriu misturar sopro ao som dos meninos do Maogani e me apresentou ao Nailor Proveta. Já Francis e Wagner foram escolhas óbvias, por estarem muito ligados à minha concepção de música" - detalha.
Francis e Wagner, inclusive, protagonizaram uma amigável disputa, como conta Olivia: "Ambos queriam inserir O Mar em seus movimentos. Francis dizia que a música era mais noite, Wagner achava que era mais à tarde. Chegamos a conclusão que O Mar representava o anoitecer, sobretudo pelo desespero da personagem procurando o amado que desaparecera entre as ondas. A claridade desaparecendo, junto com a esperança de encontrá-lo" - relaciona.
Mas como Caymmi é um especiliasta em combinar mistério e singeleza, a esperança ressurge ao final: "Optamos por encerrar com Quem Vem pra Beira do Mar, que também aparece no Mar da Manhã. É o sentido da claridade que retorna, sobrepondo-se à angústia dos agitados mares noturnos".
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